Texto de Brigitte Champetier de Ribes
Publicado em “La revista Espacio Humano” em março 2014 (1)
A necessidade de pertencer é a mais premente de todas, e pela busca de
segurança a pessoa faria qualquer coisa. E segurança significa sobretudo Valores, Deus, religião ou ideologia. Os homens matam por fidelidade ao seu
Deus, por pertencer mais ao seu Deus, para se sentirem mais seguros, para ter a
consciência segura e tranquila. E quem é esse deus? É a Verdade que compartilha
um grupo, é o cimento do grupo ao qual pertenço.
Bert Hellinger fez este descobrimento em relação à paz:
Os homens matam para defender sua Verdade, eliminando quem a critica,
desprezam ou colocam em risco sua segurança externa (a validade de seu grupo) e interna
(sua boa consciência). A Verdade de uns é o Mal dos outros.
A guerra não é mais que a materialização do nosso medo interno de ser
autônomos, já que a autonomia supõe renunciar a este pertencimento e a esta
segurança física e moral. É a materialização da nossa fidelidade infantil e
fundamentalista a uma Verdade que nos ajudou a nos integrar, a pertencer, a ser
reconhecidos pelos outros e sentir-nos importantes.
Já é hora de despedir-nos da superioridade de nossa verdade. Não existem
dois seres humanos que acreditem exatamente no mesmo. Por isso, temos tanta
dificuldade em aceitar profundamente qualquer outra pessoa.
Renuncio a que minha explicação da vida seja a única válida: é fruto do
meu passado, e se houvesse nascido em outro país ou em outra época meu
desenvolvimento teria sido diferente e minha crença sobre a vida, o mundo, a
justiça, o bem e o mal também.
Tudo o que existe cria seu contrário, tudo existe por polaridade, até
que os polos se fusionem, se reconciliem, criando uma nova unidade, superior às
duas anteriores, que por sua vez, criará uma nova polaridade…
Quando rejeito ou nego algo, e somente me agarro à minha polaridade, o
que rejeito aumentará. Quanto mais me radicalizo, mais se radicaliza o
oposto. É lei de vida. A única solução para que algo desapareça é incluí-lo. A
solução para a guerra é incluir, incluir e incluir.
Fecho os olhos e me abro a todos. A todos como somos. Sou mais um. Mais
um em todos os aspectos.
Vejo-me com minha Verdade, honro-a, agradeço-lhe, vejo as fidelidades
que tenho detrás dela e a faço menor. Não é mais do que minha verdade, aqui e
agora.
E agora vejo os outros, cada um com sua Verdade, e detrás de cada
verdade, suas realidades e suas fidelidades. Honro todos os outros e
agradeço-lhes serem como são.
Honro todos como somos.
Referente aos nossos pais, cada um também têm sua verdade, a verdade
para minha mãe é diferente da verdade para meu pai. Cada um é fiel ao seu
passado, a sua experiência e ao que lhe guia.
Eu existo porque entre os dois se fizeram um. Sou ambos, sou a fusão dos
dois.
Então, decido renunciar a minha preferência pelo meu pai ou minha mãe.
Ambos, pai e mãe, são igualmente valiosos para mim. Ambas as verdades, a do meu
pai e a da minha mãe, são igualmente válidas para mim.
Olho para meus pais e abranjo-os em um só olhar, os dois juntos, estejam
como estiverem, estejam onde estiverem. Honro os dois ao mesmo tempo, com o
mesmo agradecimento e a mesma entrega.
Frequentemente, minhas convicções são totalmente viscerais. Não as posso racionalizar. Quando as sinto criticadas ou ameaçadas, mesmo que seja levemente,
sinto uma emoção que me extravasa completamente, sinto-me em perigo,
angustiado, desesperado, torno-me irracional, intransigente, violento
inclusive. São todos os sinais de um antigo trauma, de uma emoção bloqueada por
uma vivência dramática da minha infância que ainda não digeri. Toda educação
grava, se não a ferro e fogo, suas leis, se com culpa e ameaça do pior, a submissão aos seus mandatos. Aproximar-nos de quem levantou o jugo destes
mandatos produz pânico.
Represento este extravasamento, e deixo levar-me por ele para trás em
minha vida. Até chegar a um lugar do meu passado. Aí espero, deixo que o lento
movimento da cura apodere-se de mim, até que o extravasamento se deite no chão,
rendido, ausente, acabado.
Penso novamente na última situação que provocou esse extravasamento
emocional, e percebo que já não me afeta, estou tranquilo, posso escutar os
outros e conversar com calma.
Ás vezes, minha convicção é uma verdadeira obsessão. Não me deixa
liberdade. Sinto-me preso, possuído, não posso razoá-la.
Toda obsessão é um chamamento sistêmico de uma intrincação com um
ancestral. Um ancestral que não consegue encontrar a paz por uma culpa que não
pôde assumir em sua vida.
A cura virá com o próximo exercício:
Imagine um lugar para você, outro para sua “obsessão” e outro para o
ancestral. Coloque-se alternadamente em cada um, e deixe-se movimentar muito
lentamente, sem saber o que deseja de você o movimento. Deixe fazer. Decorrido um
tempo, a obsessão terá ido embora com o ancestral, e o ancestral terá se
retirado. Você, então conscientemente, honrará o ancestral e lhe agradecerá a
vida que lhe vem dele.
A sistêmica observa que quando em uma estrutura os de cima estão em enfrentamento, porém não o assumem, os de baixo vivem uma guerra aberta entre si.
Por exemplo, quando em uma família os pais reprimem seu ódio recíproco, os
filhos estarão divididos em dois grupos que se odeiam, sem saber por que. A
mesma coisa acontece em uma organização. Se dois chefes ocultam seu enfrentamento,
os subalternos estarão em confrontação constante e imotivada. No momento no
qual os “grandes” do sistema, pais ou chefes, comunicarem-se e expressarem seu
enfrentamento, os “pequenos” se acalmarão.
Então, agora posso realizar um exercício mais, a serviço da paz no
mundo:
Escolho duas pessoas, dois países ou dois sistemas, que representem hoje
para mim os líderes das posturas mais conflagradas no mundo. Coloco um na minha
mão esquerda e outro na minha mão direita. Vou olhando-os e sentindo.
Honro e agradeço a cada um por ser como é.
Agora, faço que as duas palmas se olhem. Os dois poderosos olham-se. Muito
lentamente, aproximo as duas mãos. Até que se toquem, e se fusionem os dois
opostos. Com muitíssimo respeito, sinto a transformação em minhas mãos. Aproximo-as
do meu peito e tomo no meu coração os dois poderosos fusionados."
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