terça-feira, 24 de julho de 2018

Bert Hellinger entrevistado por Humberto del Pozo em Santiago de Chile. setembro de 1999 (Trecho 5) (1)


Sobre soluções, enfoque fenomenológico, ganhos e perdas, assassinatos, vitimas e perpetradores
Que tipo de soluções podem ser encontradas para um cliente? O que constitui o enfoque fenomenológico neste contexto?
O campo de visão fenomenológico vai desde um ponto de vista estreito a uma percepção ampla, se estende desde o próximo, ou a mão, até perder de vista. Isto significa que em vez de olhar só ao cliente, o terapeuta também olha toda a família, e ao invés de olhar só para o cliente e sua família, olha além deles, a um campo de fenômenos maior e à alma maior que contém tudo. Um individuo e sua família estão unidos por um campo maior e estão afetados pelas forças de uma alma comum maior, que parece guia-los e dirigi-los. Mas ainda, parece claro que um problema só pode ser compreendido cabalmente, e que só podem emergir soluções, no contexto de uma visão mais ampla.
Sim espero ser de ajuda para a alma do cliente, devo ver a sua alma sendo guiada pela alma familiar. Mas se só olho para o cliente e sua família, posso reconhecer o que foi que conduziu a implicações sistêmicas. Mas a solução não se apresenta até que tenha feito a conexão com estas forças e dimensões da alma que estão com o individuo e sua família. Estas dimensões estão além da nossa influencia. Nos podemos meramente permanecer abertos e receptivos em relação a ela.
Quando nos enfocamos no essencial durante uma constelação, esta alma maior pode esclarecer uma imagen curadora potencial, ou uma frase, ou possivelmente o próximo passo. O terapeuta se faz meramente disponível para ser tocado por esta alma maior, ao se refrear de qualquer direção de sua parte, e permanecer profundamente humilde em relação a tudo aquilo que teme, inclusive diante do medo de fracassar. Então, repentinamente, uma imagem, uma palavra, ou uma frase pode emergir, guiando-o ao próximo passo. Mas será sempre um passo em direção à escuridão ao desconhecido. Só ao final ficará claro se este passo foi apropriado ou se ajudou efetivamente. Ao adotar uma postura fenomenológica entramos em contato com estas dimensiones da alma, e isto se consegue com mais facilidade não-fazendo do que fazendo.
A presença focalizada do próprio terapeuta ajuda o cliente a adotar ele também a atitude fenomenológica e a receber os esclarecimentos e forças que ela oferece. Com frequência o cliente não pode suportar o que lhe está sendo revelado e se fecha contra isto. O terapeuta consente inclusive com isto. O terapeuta não permite deixar-se prender pelo destino enredado do cliente e de sua família. Isto poderá parecer frio ou duro de coração. Mas nossa experiencia tem mostrado que, tanto para o cliente como para o terapeuta, os esclarecimentos obtidos de qualquer outra maneira, permanecem incompletos e são so tentativas.
Pode nos dar exemplos daqueles cuja sorte ou morte trouxeram para a família uma vantagem ou um ganho?
Em constelações com descendentes dos que adquiriram uma grande fortuna, tem sido notáveis os destinos difíceis dos netos e dos bisnetos, que não podem ser explicados por eventos só na família. Depois que se agregaram representantes para as pessoas que sofreram para a aquisição de tais riquezas, se tornou aparente que seu sacrifício continuava tendo efeitos na família durante varias gerações.
É também este o caso quando, por exemplo, houveram trabalhadores que morreram durante a construção das ferrovias o na produção de petróleo, e cuja contribuição para a prosperidade de seus empregadores não foi reconhecida nem honrada.
¿O que acontece quando um membro da família foi assassinado?
Darei um exemplo. Foi em um grupo de supervisão. Um terapeuta apresentou a situação de um cliente. O pai havia assassinado a sua esposa, as filhas ficaram e estão agora cuidando da irmã da esposa. As duas meninas estão muito alteradas. Configurei o homem, a mulher, a irmã e as duas meninas. A mulher imediatamente sentiu muito medo. Se virou em direção à sua irmã em busca de proteção. O homem se afastou. Queria irse. De fato, ele se matou logo depois de matar a sua esposa. Assim que tive que fazer com que enfrentassem o verdadeiro assunto. Trouxe à esposa e fiz com que se deitasse no chão para mostrar que ela não está viva, ela está morta agora, assi que não pode simplesmente ir em busca de sua irmã para proteção. Assim restabeleci a realidade neste aspecto. Logo trouxe ao homem de volta para que olhasse à sua esposa. E a olhou e não podia se mover. Então disse que respirasse profundamente e repentinamente saiu dele uma dor muito, muito profunda. Uma tremenda dor. E então caiu de joelhos e olhou sua esposa e começou a chorar. Então, só então, pode olhar realmente para sua esposa. E logo fiz com que se deitasse junto de sua esposa porque esta era a realidade. Ele também estava morto. E então os dois, ambos se moveram aproximando-se com um amor muito, mas muito profundo. Isto é o estranho que ficaram unidos em um profundo amor. Disto concluo e tive experiencias similares com outras constelações ainda mais traumáticas que ao fim das contas, se ambos se reconhecem como mortos, então os mortos...se unem.
Estranho movimento, que aqueles que estão mortos se unam, se entrelacem um com o outro, e cheguem a paz com um amor muito, muito profundo.
Agora, este movimento, a meu ver, só é possível se os perpetradores e as vitimas, quem quer que sejam, estejam ao serviço de uma raiva falsa que vai além deles, muito além deles. E só se todos eles olham para esta força maior, então os antagonismos entre eles podem cessar e se inclinam com muita humildade na alma diante desta força maior. E o que une a todos eles denomino de Grande Alma e não tenho um nome melhor para isto, e isto vai mais além da noção de campos morfogenéticos, que se utiliza às vezes para explicar os fenômenos de repetição de padrões ou formas no tempo e no espaço, porque os campos estão fixos. A alma é algo que se move, dirige o curso da história e da vida pessoal. E nesta alma nos participamos. E ao invés de ver ao individuo como tendo uma alma, ele participa na alma.
Esta alma tem vários níveis. Na superfície tem um nível de leis muito duras. e por baixo tem algo muito diferente. Por exemplo, posso configurar uma família, duas pessoas, e não sei nada, e de repente, eles são atraídos por uma força e enfrentam o verdadeiro assunto, e esta força os dirige em direção a uma solução, que vai mais além das leis que operam na superfície. Se conseguimos pegar esta força pegamos a força curadora.  
Mas talvez uma coisa mais sobre a constelação do homem que matou sua esposa e em seguida se suicidou. As duas filhas se encontravam muito alteradas. Uma estava cheia de ódio. Foi sumamente claro, ela estava a caminho de se tornar uma assassina com este ódio. Ela foi em direção ao pai, queria ir em direção ao pai. E a outra estava alterada de outra maneira. Ela queria se tornar uma vitima. Fiz com que se deitassem junto dos pais. Então estavam unidas com eles e logo puderam se colocar de pé, já sem ódio, não mais com desespero, e puderam dar as costas aos mortos, deixa-los sós e olhar para a vida. Esta também foi uma solução ai.
P- O que acontece quando um membro da família se converte em vitima ou perpetrador?
No que diz respeito a perpetradores e vitimas, os assassinos se sentem grandes com frequência, muito fortes quando se enfrentam com suas vitimas. E então em suas famílias o mais fraco assume a expiação. Na constelação, quando são confrontados com as vitimas, as vitimas se tornam muito, muito grandes e os assassinos muito muito pequenos. E assim há um certo tipo de compensação que se obtêm com isto neste nível. E então se isto acontece os vivos não estão mais enredados. Este é um tipo ritual de cura. Temos visto que o que causa perturbações é que os os vivos assumem algo que só os mortos entre eles podem conseguir. Assim, o movimento curador seria que os vivos olhassem aos mortos, permitam que façam seu movimento, olhem uma vez mais e logo se virem e olhem para o futuro.  Este seria o movimento que vai a outro nível. Assim, a interferência no domínio dos mortos causa perturbações nos vivos.
Em muitas constelações que envolvem descendentes de assassinos, por exemplo os perpetradores durante o regime nazista, ficou claro que os netos e os bisnetos queriam deitar-se junto das vitimas, o que implica um perigo muito grande de tendencias suicidas. A solução foi similar para ambos os grupos. As vitimas devem ser vistas e reconhecidas por todos os membros da família, que necessitam inclinar-se diante deles e fazer o luto por eles.
Depois, aqueles que originalmente se beneficiaram, assim como os perpetradores, tem que se estender junto das vitimas, e os demais membros da família devem deixa-los ir em direção a estes domínios. Só então os descendentes se sentirão aliviados. E talvez os vivos se olharão uns aos outros de uma maneira diferente.
Tradução Marcia Paciornik
(1) fonte: Insconsfa.com.