quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Ser instrumento de paz


Texto de Brigitte Champetier de Ribes
Publicado em “La revista Espacio Humano” em março 2014 (1)   

"Proponho-lhes as próximas reflexões e exercícios para transformar-nos em instrumentos de paz.
A necessidade de pertencer é a mais premente de todas, e pela busca de segurança a pessoa faria qualquer coisa. E segurança significa sobretudo Valores, Deus, religião ou ideologia. Os homens matam por fidelidade ao seu Deus, por pertencer mais ao seu Deus, para se sentirem mais seguros, para ter a consciência segura e tranquila. E quem é esse deus? É a Verdade que compartilha um grupo, é o cimento do grupo ao qual pertenço.
Bert Hellinger fez este descobrimento em relação à paz:
Os homens matam para defender sua Verdade, eliminando quem a critica, desprezam ou colocam em risco sua segurança externa (a validade de seu grupo) e interna (sua boa consciência). A Verdade de uns é o Mal dos outros.
A guerra não é mais que a materialização do nosso medo interno de ser autônomos, já que a autonomia supõe renunciar a este pertencimento e a esta segurança física e moral. É a materialização da nossa fidelidade infantil e fundamentalista a uma Verdade que nos ajudou a nos integrar, a pertencer, a ser reconhecidos pelos outros e sentir-nos importantes.
Já é hora de despedir-nos da superioridade de nossa verdade. Não existem dois seres humanos que acreditem exatamente no mesmo. Por isso, temos tanta dificuldade em aceitar profundamente qualquer outra pessoa.
Renuncio a que minha explicação da vida seja a única válida: é fruto do meu passado, e se houvesse nascido em outro país ou em outra época meu desenvolvimento teria sido diferente e minha crença sobre a vida, o mundo, a justiça, o bem e o mal também.
Tudo o que existe cria seu contrário, tudo existe por polaridade, até que os polos se fusionem, se reconciliem, criando uma nova unidade, superior às duas anteriores, que por sua vez, criará uma nova polaridade…
Quando rejeito ou nego algo, e somente me agarro à minha polaridade, o que rejeito aumentará. Quanto mais me radicalizo, mais se radicaliza o oposto. É lei de vida. A única solução para que algo desapareça é incluí-lo. A solução para a guerra é incluir, incluir e incluir.
Fecho os olhos e me abro a todos. A todos como somos. Sou mais um. Mais um em todos os aspectos.
Vejo-me com minha Verdade, honro-a, agradeço-lhe, vejo as fidelidades que tenho detrás dela e a faço menor. Não é mais do que minha verdade, aqui e agora.
E agora vejo os outros, cada um com sua Verdade, e detrás de cada verdade, suas realidades e suas fidelidades. Honro todos os outros e agradeço-lhes serem como são.
Honro todos como somos.
Referente aos nossos pais, cada um também têm sua verdade, a verdade para minha mãe é diferente da verdade para meu pai. Cada um é fiel ao seu passado, a sua experiência e ao que lhe guia.
Eu existo porque entre os dois se fizeram um. Sou ambos, sou a fusão dos dois.
Então, decido renunciar a minha preferência pelo meu pai ou minha mãe. Ambos, pai e mãe, são igualmente valiosos para mim. Ambas as verdades, a do meu pai e a da minha mãe, são igualmente válidas para mim.
Olho para meus pais e abranjo-os em um só olhar, os dois juntos, estejam como estiverem, estejam onde estiverem. Honro os dois ao mesmo tempo, com o mesmo agradecimento e a mesma entrega.
Frequentemente, minhas convicções são totalmente viscerais. Não as posso racionalizar. Quando as sinto criticadas ou ameaçadas, mesmo que seja levemente, sinto uma emoção que me extravasa completamente, sinto-me em perigo, angustiado, desesperado, torno-me irracional, intransigente, violento inclusive. São todos os sinais de um antigo trauma, de uma emoção bloqueada por uma vivência dramática da minha infância que ainda não digeri. Toda educação grava, se não a ferro e fogo, suas leis, se com culpa e ameaça do pior, a submissão aos seus mandatos. Aproximar-nos de quem levantou o jugo destes mandatos produz pânico.
Represento este extravasamento, e deixo levar-me por ele para trás em minha vida. Até chegar a um lugar do meu passado. Aí espero, deixo que o lento movimento da cura apodere-se de mim, até que o extravasamento se deite no chão, rendido, ausente, acabado.
Penso novamente na última situação que provocou esse extravasamento emocional, e percebo que já não me afeta, estou tranquilo, posso escutar os outros e conversar com calma.
Ás vezes, minha convicção é uma verdadeira obsessão. Não me deixa liberdade. Sinto-me preso, possuído, não posso razoá-la.
Toda obsessão é um chamamento sistêmico de uma intrincação com um ancestral. Um ancestral que não consegue encontrar a paz por uma culpa que não pôde assumir em sua vida.
A cura virá com o próximo exercício:
Imagine um lugar para você, outro para sua “obsessão” e outro para o ancestral. Coloque-se alternadamente em cada um, e deixe-se movimentar muito lentamente, sem saber o que deseja de você o movimento. Deixe fazer. Decorrido um tempo, a obsessão terá ido embora com o ancestral, e o ancestral terá se retirado. Você, então conscientemente, honrará o ancestral e lhe agradecerá a vida que lhe vem dele.
A sistêmica observa que quando em uma estrutura os de cima estão em enfrentamento, porém não o assumem, os de baixo vivem uma guerra aberta entre si. Por exemplo, quando em uma família os pais reprimem seu ódio recíproco, os filhos estarão divididos em dois grupos que se odeiam, sem saber por que. A mesma coisa acontece em uma organização. Se dois chefes ocultam seu enfrentamento, os subalternos estarão em confrontação constante e imotivada. No momento no qual os “grandes” do sistema, pais ou chefes, comunicarem-se e expressarem seu enfrentamento, os “pequenos” se acalmarão.
Então, agora posso realizar um exercício mais, a serviço da paz no mundo:
Escolho duas pessoas, dois países ou dois sistemas, que representem hoje para mim os líderes das posturas mais conflagradas no mundo. Coloco um na minha mão esquerda e outro na minha mão direita. Vou olhando-os e sentindo.
Honro e agradeço a cada um por ser como é.
Agora, faço que as duas palmas se olhem. Os dois poderosos olham-se. Muito lentamente, aproximo as duas mãos. Até que se toquem, e se fusionem os dois opostos. Com muitíssimo respeito, sinto a transformação em minhas mãos. Aproximo-as do meu peito e tomo no meu coração os dois poderosos fusionados."
 (1)    Fonte: www.insconsfa.com
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