terça-feira, 29 de maio de 2018

Bert Hellinger entrevistado por Humberto del Pozo (Trecho 3) (1)

Sobre acidentes, padrões de azar, suicídios, doenças graves, homossexualidade, AIDS.
P-Você também observou que existem dinâmicas que resultam de forma recorrente em acidentes ou a padrões de azar.  Pode nos contar sobre a dinâmica nestes casos?
R-Doenças graves, suicídios ou tentativas de suicídio, ou acidentes são algumas das coisas que vemos com frequência em psicoterapia e que são motivadas pelo amor – o amor de uma criança pequena. As crianças amam de acordo com um sistema de crenças mágico. Para a criança, amor significa: "Para onde você me guiar, eu te seguirei, o que você fizer eu farei”, ou "Te amo tanto que quero estar contigo sempre." Isto significa: "Te seguirei em tua doença" e "Te seguirei na tua morte." Quando alguém quer amar desta maneira ele ou ela é naturalmente vulnerável e propenso contrair uma doença grave.  
P-Mas como pode se sentir a pessoa que é amada desta forma? Como pode se sentir ao ver que sua doença ou sua morte está causando que uma criança fique doente? Como se sentirá? Mal, não é mesmo?
R-Exatamente! Nas constelações, observamos invariavelmente que os falecidos, os enfermos, e aqueles que sofreram uma sorte difícil, desejam que os sobreviventes estejam bem. Uma morte, desgraça ou azar é suficiente. Os mortos sentem-se “bem-dispostos” em relação aos vivos. Não é apenas a criança quem ama, mas também os que sofreram e morreram. Para que a cura sistêmica possa ter exito, a criança debe reconhecer o amor de seu Parente morto e debe honrar sua sorte e seu destino.  
P-Não fica claro para mim o que significa quando você diz:  "reconhecer seu amor e honrar sua sorte."
R-Quando uma criança morre os demais membros da família tendem a ter medo -em parte, porque eles também, talvez inconscientemente, sentem o tipo de amor que os faz querer seguir a criança. Para conter seu medo, eles adormecem seus sentimentos. Em efeito, tiram a criança de seus corações e de sua alma.  Pode ser que falem da criança, mas se separaram dela ou calado seus sentimentos. Então, mesmo quando a criança esteja morta ela ainda tem uma influencia mortal sobre o sistema familiar: a morte dos sentimentos. Para que o amor prospere, a criança deve ter um lugar na família, como se ela estivesse viva. Os membros sobreviventes da família devem viver seus sentimentos pela criança, seu pesar e seu luto. Podem colocar uma fotografia da criança, ou plantar uma árvore em sua memória. Mas a coisa mais importante é que os sobreviventes levem o falecido com eles em sua vida, e permitam que seu amor pela criança viva.
Muita gente age como se os mortos tivessem partido. Mas aonde podem ir? Obviamente, estão fisicamente ausentes, mas também seguem presentes em seus efeitos contínuos sobre os vivos. Quando tem um lugar apropriado dentro da família, as pessoas falecidas têm um afeto amistoso. De outra maneira causam ansiedade. Quando se lhes da um lugar apropriado, eles apoiam aos vivos em sua vida ao invés de apoiar-los em sua ilusão de que deveriam morrer.  
P-O que ocorre com a AIDS?
R-Estar infectado com o vírus ou contrair AIDS não é uma dinâmica familiar, não diretamente. Naturalmente, as pessoas que contraem AIDS são em sua maioria homossexuais, e a homossexualidade é uma dinâmica familiar. Se volto ao exemplo anterior, se houve um filho que morreu cedo e era uma menina, e na família só existem meninos, então um dos meninos tem que representar a uma menina. Agora, isto conduz à homossexualidade, se um homem tem que representar a uma mulher em uma família. Mas quando há AIDS a questão é que enfrentem seu destino e sua sorte. Pelo que tenho visto, eles normalmente não têm nenhuma ilusão, é fácil trabalhar com eles.
No que diz respeito à homossexualidade, primeiro quero dizer umas quantas coisas gerais sobre o ponto de vista sistêmico.  Cada pessoa é parte integrante do sistema relacional no qual vive, e cada pessoa tem um mesmo valor para o funcionamento deste sistema quer dizer, cada membro do sistema familiar é essencial em sua importância.
As diferenças em um sistema social permitem que este seja mais duradouro e estável. Existe uma consciência de grupo que exclui a alguns membros do grupo por serem diferentes, mas atua a um nível diferente que a consciência sistêmica que olha pelo direito de todo membro de formar parte do sistema familiar. O fato de que alguém seja excluído por ser diferente, tem consequências muito serias para os membros mais jovens de uma familia.
Tenho visto muitos casos nos quais uma pessoa mais jovem sofria terrivelmente porque estava identificada com um familiar, que havia sido excluído da família por ser homossexual. Os homossexuais são membros da família e como tais devem ser reconhecidos e valorizados. Do contrario, se fere o amor. Este reconhecimento fundamental da dignidade intrínseca d do valor de toda pessoa permite olhar as diferenças abertamente.
Partindo desta base, se apresenta um fato inevitável para os casais homossexuais: seu amor não pode leva-los a ter filhos. A procriação exige a heterossexualidade, e este fato não pode ser ignorado como se não existisse nem tivesse consequências. Em qualquer relação de casal sem filhos a separação significa menos culpa, quer dizer, se trata de duas pessoas que só se ferem mutuamente. Por outro lado, se um casal de país se separa, este passo tem consequências graves para seus filhos, pelo que lhes é exigida muita cautela para que seus filhos não sofram pelo que eles fazem. Esta culpa adicional torna mais difícil a separação para os pais, mas, paradoxalmente, também serve de apoio para sua relação. Os casais sem filhos, entre estes também os casais homossexuais, não podem contar com o apoio destas consequências para mante-los juntos em tempos de crises.
Para casais homossexuais, da mesma forma que para outros casais sem filhos, interessados em uma relação duradoura e de amor, é especialmente importante tomar decisões claras e conscientes sobre os fins e intenções de sus relações. Algunas metas são mais prováveis de levar a uma estabilidade duradoura em uma relação que outras. Querer evitar a solidão ou sensação de vazio, por exemplo, não é nenhuma meta que possa apoiar uma relação duradoura entre iguais.
Cada pessoa tem seu propio caminho na vida, uma parte se escolhe, mas a outra simplesmente vem dada pela vida mesma, sem que se possa escolher realmente. Esta é a parte difícil de se lidar. As pessoas homossexuais com as quais eu trabalhei, inclusive aquelas convencidas de que elas escolheram livremente sua orientação sexual, estavam atadas em dinâmicas sistêmicas, experimentando em sus vidas as consequências do que outros em seu sistema fizeram ou sofreram. Foram colhidas ao serviço de seu sistema, e, de crianças, não puderam se defender da pressão sistêmica à qual estavam expostas. Portanto, isto é para eles o segundo assunto a tratar: eles levam algo pela família.
Eu não vejo a homossexualidade como algo que tenha que se mudar, e sempre que trabalho com pessoas homossexuais, a homossexualidade não é o tema primordial. Simplesmente tento trazer à luz qualquer tipo de implicações que poderiam estar limitando a plenitude da vida, mas não tenho nenhuma intenção de mudar orientação sexual de ninguém.
P-Que tipo de implicações tem observado em seu trabalho com homossexuais?
R-Pude observar três padrões de implicações sistêmicas: Uma criança é pressionada a representar a uma pessoa do sexo oposto no sistema porque no ha nenhuma criança do mesmo sexo à disposição. Assim, por exemplo, uma criança teve que assumir o papel de sua irmã mais velha morta, porque não havia nenhuma menina entre os demais filhos sobreviventes. Ou o caso de outro filho que teve que representar a primeira noiva de seu pai, que havia sido tratada injustamente. Este é o padrão mais doloroso e difícil que pude observar.
Um filho sente a pressão de representar alguém que foi excluído do sistema familiar o que foi difamado pelo sistema, inclusive se a pessoa em questão é do mesmo sexo. Homossexuais que vivem neste padrão tem a posição de "marginalizados". Assim, por exemplo, uma criança que era tratada como o primeiro noivo da mãe que contraiu sífilis e, em seguida, rompeu o compromisso. Ainda que aquele noivo tenha agido honrosamente tinha sido menosprezado e desdenhado pela mãe da criança. Os sentimentos do filho, a sensação de ser desprezado, eram muito similares às que o noivo deveria sentir, como se fossem seus próprios sentimentos.
Um filho que permaneceu recolhido na esfera da mãe, ou uma filha que não saiu do âmbito de influencia do pai, ambos incapazes de levar ao fim o gesto interior de tomar ao progenitor que pertence ao mesmo sexo.  
Tradução livre de Marcia Paciornik

(1) fonte Insconsfa.com

Nenhum comentário: